Já não sabemos viver

Que rumor é este, Senhor
Semelhante a rajada de vento
Que me faz estremecer de paz inquieta
E preenche de suavidade e luz
Os olhares dos irmãos reunidos em teu nome?

Já não sabemos viver sem este Dia
Em que revivemos na alegria
Os tempos iluminados que vivemos contigo
E celebramos, transfigurados,
O dom da tua presença que conforta.

E que línguas são estas que se vão dividindo
E poisando sobre as nossas cabeças
Nos fazem descobrir a beleza de sermos irmãos
E membros de um só corpo que nos irmana
Para nos enviar como verdadeiros cristãos?

Vem, Espírito ardente!
Todo o meu ser já entoa
Os hinos da nova criatura!
Nos céus e na terra já ecoa
O amor que irrompe na noite escura
E nos faz abraçar a santidade!

É o tempo da Verdade:
Terra e céus se unem já!
Eu sou Teu, Senhor
E sei que no Teu Espírito de Amor
Todo o meu ser ressuscitará!

É Pentecostes!
Que resplandecente está hoje o mundo!


P. Mário Tavares
oração para o Domingo de Pentecostes, ano B

Olhar fito

Estou de olhar fito no céu
E permaneço paralisado, sem reacção
Atónito e transido de pavor:
- Envia-me, Tu, Senhor
Para que vá anunciar a notícia
Que é chegado o Teu Reino redentor!

Envia-me o Teu Espírito
Para que o meu medo e paralisia
Se transformem em fortaleza e confiança;
Desperta o meu sufocado ardor
Inunda-me com o Teu Espírito, Senhor!

Elevaste-Te ao Céu, Tua morada eterna
Deixa que meu coração se eleve também
Ansioso está da comunhão fraterna
Do sacro convívio prometido
Ao caminhante na terra com o olhar fito no além.

Subiste e continuas entre nós
Padecendo a nossa tribulação;
Partiste mas ficaste no nosso meio
Enquanto Te perseguimos e somos infiéis!
Porque somos tão cruéis
Quando derramaste, por nós, tanto amor?
Subiste ao céu e permaneces connosco!
Caminhamos na terra e estamos contigo!
Oh mistério que sem entender persigo
Inebriado de tão grande fulgor!
Acolhe-me no Teu coração
Abraça-me enquanto caminho, Senhor!


P. Mário Tavares
oração para o VII Domingo de Páscoa (Solenidade da Ascensão do Senhor), ano B

Trincheiras

Entre os espinhos que sufocam
Mil esforços desmedidos;
Entre as trincheiras que escondem
Covardias e egoísmos;
Entre os estilhaços que atingem
Olhares incrédulos de terror,
Uma palavra foi dita e no silêncio ecoou:
“- Deus é Amor!”

Entre o alarido das vozes que gritam
Desconfianças, medos e chacinas;
Entre a crueldade dos sonhos que anunciam
Pesadelos, torturas e vinganças;
Entre as memórias amordaçadas
Que imploram libertação na dor
Uma palavra foi dita e no silêncio ecoou:
“- Deus é Amor!”

Jamais o coração contemplou
Uma verdade tão luminosa e fulgurante
Em sua beleza essencial:
“-Deus é Amor”
Lança fora o temor
E livra-nos de todo o mal!

Pode a ciência agitar-se
Em sua frenética busca da Verdade;
Pode a filosofia adentrar-se
Nas profundidades insondáveis do Ser!
Jamais alguém dirá Verdade tão sublime
Como João, discípulo do Senhor:
“- Deus é Amor!”

Dá-me, Senhor, a vontade de acolher
A nova profecia que brota dos teus lábios
E que revelas nas tardes quentes da Galileia.
Sabedoria que ultrapassa o saber dos sábios
Rasga horizontes e a paz semeia.

Quero abraçar o teu anúncio
Que ecoa novo na alma
Quero ser discípulo e jamais desertor
Subir ao monte da esperança
E dizer a todos: “- Deus é Amor!”


P. Mário Tavares
oração para o VI Domingo de Páscoa, ano B

Coragem da mudança

Eu te dou graças, Senhor
Porque o irmão Paulo de Tarso
Teve a coragem da mudança e da conversão.
Na estrada de Damasco a Tua Luz brilhou
Iluminando o seu inquieto coração;
O Teu amor derramado é bálsamo eterno
Que recupera o peregrino sedento:
Eu, Senhor, que também busco na minha noite
O Teu suave e doce unguento.

Os apóstolos confirmam a fé
De Paulo, irmão de todas as gentes
E parte, entusiasmado com a missão
De libertar os que prendera em nome da Lei;
É o Senhor da Lei que agora anuncia
E em vez de amarras, abraça os irmãos
Onde havia noite, resplandece um novo dia.

Dá-me, Senhor, a coragem de mudar
De converter meu coração obstinado
Dá-me também a força de soltar
Os grilhões do egoísmo que emolduram meu pecado;
Na minha noite, faz resplandecer o Teu dia
A minha madrugada anseia já
A morada do Teu amor redentor.
Quero ser um sarmento da Tua vinha
Que cuidas com enlevo e afecto
Unido à cepa que és e que regenera
Meu ser cansado e turbulento.
Sê Tu o meu alento
Que irriga meu cansaço e minha espera!


P. Mário Tavares
oração para o V Domingo de Páscoa, ano B

Que cegueira

Que cegueira, Senhor, me invadiu para te rejeitar assim?
Como pude rejeitar a Pedra do ângulo
Que me sustentaria em meus pesos e tribulações
Escolhendo outras pedras mais luzidias mas enganosas
Que ergueram muros em vez do abraço redentor
Que só Tu me podes dar!
Só Tu me curas das minhas enfermidades
Só Tu me redimes nas minhas noites:
Vem, Senhor, Luz que ilumina os meus passos
Para que caminhe na Tua presença!

Quero ser ovelha do Teu rebanho
Nos prados verdejantes do Teu amor
Sob o Teu olhar atento porque és o meu Senhor
Sempre pronto a dar a vida
E no Teu coração misericordioso e compassivo
Encontrar o meu refúgio e a minha guarida;

E um dia, purificado no Teu Sangue
Quero deixar-me fundir na Verdade essencial
Que já derramas em nossos corações
E nos fazes filhos porque és Filho
Para sermos, então, só Amor puro;
Hoje já Te revelas nas nossas estradas
Que percorremos como peregrinos
Mas amanhã, ressuscitados,
Cantaremos o grande hino da gratidão
Das criaturas regressadas à casa do Pai
Para o grande banquete da redenção.

Todos em Ti, por Ti e contigo!
Tão inesperado mistério já nos inebria:
Obrigado, Senhor, porque és hoje
Para que eu também seja um dia!


P. Mário Tavares
oração para o IV Domingo de Páscoa (do Bom Pastor), ano B