Êxodo de peregrino

Senhor, quantas maravilhas realizadas
Em minha pobre vida inquieta
Desde que pronunciaste o meu nome!
Quantos prodígios e sinais emolduraram
O meu êxodo de peregrino persistente!
Celebraste comigo uma Aliança de amor
Imprimiste a tua Lei no meu coração
E como Te conheço ainda tão pouco
Mesmo se a tua mão que me tira do cativeiro
Onde caio a cada passo
Evadindo-me, cruelmente, do Teu regaço!

Porquê esta rebeldia e ingratidão?
Porque não aprendo em meu sofrimento
A obediência de filho e a confiança de discípulo?
E como me desconcertas, Senhor
Quando respondes com o teu amor
Ao meu caminhar rebelde e inseguro!

Olho-Te na Cruz e revejo-me
Nessa história de condenação infame!
Volto o rosto porque me reconheço
Na história que assumes e que me denuncia;
Suspenso entre a terra e o Céu
O teu olhar nova Aliança já anuncia.

É esse olhar que me atrai, Senhor
E que hoje busco, mais uma vez, suplicante
Para que recupere a tua graça
E só o Teu nome a minha alma cante!


P. Mário Tavares
oração para o V Domingo da Quaresma, ano B

Caminho

É duro o meu cativeiro, Senhor,
Neste tugúrio de trevas e desolação;
Parti para longe de Ti e cavei a minha perdição
Numa terra de degredo e horror.
Mas Tu enviastes-me mensageiros de luz
E mais uma vez renovaste a aliança
Com que me amaste desde o berço;
Eu sei que não mereço, mas obrigado, Senhor!

Caminho errante pelo deserto da vida
Pactuando com a toca da víbora
Do orgulho e da minha vaidade;
Intoxicado e feito prisioneiro
Nas prisões que eu mesmo ergui
Sinto-me desfalecer e a sucumbir
Nas teias do meu pecado insistente.
Mas… eis que ergues, no deserto, uma serpente
E que, só de olhar, me cura e redime
Destruindo o cativeiro que me sufoca
E, nas minhas noites de insónia, me tortura e oprime.


Contemplo com os olhos da alma
Tão grande mistério que me vence e seduz
E me segreda serenamente
Que me amas como sou.

Quero que sejas meu baluarte seguro
Onde estarei defendido e vigilante
Não como fugitivo ou apavorado
Mas como vencedor de olhar cintilante.
Abraço a luz do Pai que, de tanto me amar,
Me dá o Seu Filho
Para o meu caminhar de errante.

Obrigado, Senhor
Porque me surpreendes tanto
E me fazes passar do cativeiro que me oprime
À Jerusalém prometida
Onde regresso armado cavaleiro
Com a espada do teu amor
E com o elmo do teu perdão.


P. Mário Tavares
oração para o IV Domingo da Quaresma, ano B

Horeb!

Mais um monte, Senhor: O Horeb!
Mais um caminho de alturas
Onde Te manifestas sedento de Comunhão e Paz!
Não cedes à coerência do Amor e à fidelidade à Aliança!
Mal vês o povo inseguro e cansado
Logo chamas Moisés à Tua presença
Para ser Teu embaixador junto da sua gente aflita.
Quanto desvelo quanto o deserto é mais espinhoso e duro!

Inscreve no meu coração Tua Lei e teus preceitos
Porque sei que, longe de Ti, tudo é frio e escuro
E os horizontes estreitam-se sem acenos de esperança.
Dá-me a humildade para acolher tuas palavras que libertam
Ainda que a minha rebeldia, quantas vezes,
Me impeça de ver quanto amor se esconde
Em cada preceito da tua Lei.

Não busco milagres nem sabedorias fúteis
Só o Teu rosto, no silêncio, eu procuro
Mesmo crucificado entre malfeitores.
Mas se minha alma para Ti se inclina
Nos meus esforços de cada dia
- Porque sigo, então, outros senhores
Quando sei que só Tu sacias minhas a minha fome?
E porque monto minha tenda de cambista
No lajedo dos teus átrios sagrados
Maltratando a Tua presença
Quando sei que só a Tua recompensa
Me enche de profunda paz e serenidade?

Dá, Senhor, a Tua loucura de amar infinitamente
Para que a minha fraqueza crucificada
Habite no Teu Templo reedificado em três dias
Celebrando liturgias excelsas ao som de cânticos eternais!


P. Mário Tavares
oração para o III Domingo da Quaresma, ano B

Contigo, Jesus

Toma-me contigo, Jesus
Como a Pedro, Tiago e João;
Toma-me p´la mão
Para subir ao Tabor.

Sob o peso da minha prostração
Caminho à deriva, pisando memórias
Que me oprimem e esmagam.
Estou encarcerado, Senhor
Em prisões que invento e que quero
Porque as escolho, desenfreado
Na minha liberdade desbaratada
Pelo meu egoísmo fechado.
Mesmo se não quero cavar abismos
Nem atolar ainda mais a alma
Acabo por cair nas malhas da sedução
Do ter, do imediato, do mais fácil
Onde me engano e desmorono
Deixando-me levar
Arrastado pelas ondas vorazes
Do mundo que me rodeia e amordaça.

Leva-me contigo, Jesus, faz-me subir!
Talvez não seja digno que me escolhas
De tão afastado que tenho andado
Mas ouvi o convite que fizeste aos teus discípulos
Quando passava por perto
E caminhava à deriva.
Não sei para onde os queres levar
Nem o que acontecerá no cimo da montanha;
Mas vi o brilho do teu olhar
E a ternura que colocaste no teu convite
E gostava que alguém me olhasse assim;
Sabes, Jesus, estou cansado da indiferença
Do desprezo, da solidão que mata
E que alimento porque também eu sou assim.

Hoje descobri que tens um convite
Onde envolves de Luz os teus amigos
E eu quero subir essa montanha, Jesus!
Será íngreme a escalada?
Será duro o caminhar?
E que vai mesmo acontecer quando chegarmos lá cima
Longe desta inquietação que me angustia?
Deixa-me dizer-te o que gostava de ver
Lá no cimo da montanha para onde levas os teus amigos:
Gostava que Te transfigurasses
Te revestisses de luz
Com uma brancura que nenhum lavadeiro
Conseguisse alcançar;
Gostava de ouvir a voz do Pai
A falar de Ti
E que a nuvem do Teu Espírito nos envolvesse, maternal.

Eu quero subir contigo, Jesus
Mesmo que tudo o que digo, eu não entenda;
Eu sei que, no cimo da montanha, mais uma vez
O teu amor talvez me surpreenda.


P. Mário Tavares
oração para o II Domingo da Quaresma, ano B