DOMINGO II | TEMPO DA QUARESMA | ANO B

COMENTÁRIO 


AS SUAS VESTES TORNARAM-SE RESPLANDECENTES

O evangelho do segundo Domingo do Tempo da Quaresma propõe-nos o episódio da Transfiguração, narrado no evangelho de Marcos. Segundo o relato, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João e subiu com eles a um alto monte, o Tabor. À vista deles, transfigurou-se: As suas vestes ficaram resplandecentes e os discípulos puderam contemplar, como nunca, a Glória de Deus. O fruto dessa contemplação foi uma vivência indescritível, para além dos sentimentos e da razão: «Que bom é estarmos aqui»! Queriam ficar ali para sempre, inundados de tão intensa luz mas Jesus fê-los descer do monte para continuar a sua missão.

É interessante notar Jesus nunca fez uma catequese aos discípulos sobre a Santíssima Trindade. Fez magníficas catequeses aos que O seguiam mas nunca se demorou a explicar os meandros de tão augusto mistério. Todavia, os grandes momentos de Jesus são marcados por dinamismos trinitários que informam a Verdade do nosso Deus: Na Anunciação, o Pai enviou Gabriel a anunciar que Maria seria a mãe do Filho, pela acção do Espírito Santo. No Baptismo, ao iniciar a sua vida pública, fez-se ouvir a voz do Pai quando o Filho subia das águas, descendo sobre Ele o Espírito Santo. Na Cruz, é o Pai que entrega o Filho que, no último momento, entrega o Espírito ao Pai. Nos momentos cruciais da vida de Jesus, revela-se a Glória de Deus e o esplendor do seu mistério.

A Transfiguração do Tabor é um desses momentos em que a Santíssima Trindade se manifesta na sua Glória, desta vez, cobrindo os discípulos com a sua sombra que, assim, puderam tocar o inebriamento da sua luz. Do cimo do monte Tabor, pode desfrutar-se duma paisagem sublime sobre o lago da Galileia. A alma sacia-se com tal vislumbre da natureza e respira-se infinito, suspensos entre a terra e o céu. Na comunhão íntima com Jesus, os discípulos saboreiam um sagrado convívio inesperado e ouvem a voz do Pai: «Este é o meu Filho muito amado, escutai-O»!

Uma das coisas mais terríveis que o mundo de hoje nos faz é roubar-nos o gosto pelas coisas de Deus. De tal modo nos encharca com miríades de coisas que nos ilude na sensação de termos encontrado a felicidade nessas mesmas coisas que, afinal, nos vão oxidando. Damos connosco a constatar que não nos faltam coisas mas perdemos o sabor da felicidade e o encanto duma vida com sentido.

Jesus encontra-nos nas encruzilhadas da nossa história: desiludidos, inquietos e desencantados. Encontra-nos e convida-nos a subir ao monte. A subida ao Tabor era uma escalada íngreme que durou toda a noite mas só assim, os discípulos conquistaram e mereceram a consolação de Deus. Subir com Jesus implicará, certamente, abdicar de coisas, cortar com as inutilidades e purificar os comportamentos desordenados. Porém, no cimo do monte, espera-nos o sabor da Glória de Deus. Saborear a presença de Deus: Eis o convite que Jesus nos faz. Poderemos, então, contemplar melhor a beleza da nossa vida revelada pelas alturas e poderemos vislumbrar o sentido infinito que ela alcança quando ouvimos a voz do Pai: «-Este é o meu Filho: Escutai-O»!

Façamos desta Quaresma uma magnífica escalada com Jesus, até ao cimo do monte, para que as nossas vestes fiquem resplandecentes e possamos saborear a Glória de Deus. 

Padre Mário Tavares de Oliveira     

DOMINGO I . TEMPO DA QUARESMA . ANO B

Comentário

No primeiro Domingo da Quaresma, a liturgia propõe-nos um texto do evangelho de Marcos que nos desafia para um renovado encontro com Deus. Depois do seu baptismo, Jesus deixou-se conduzir pelo Espírito Santo ao deserto e por lá permaneceu quarenta dias. Foi um tempo de comunhão íntima com o Pai e no Espírito que confirmou a sua missão junto do seu povo.

Jesus era tentado pelo demónio e vivia entre feras e anjos. O demónio tudo fez para desviar Jesus da sua missão mas a sua fidelidade ao Pai que O enviara, conduziria o Messias esperado ao coração das dores e das esperanças da humanidade. Foram dias de prova e de plenitude, de discernimento e de abraço livre à vontade do Pai.

Jesus vivia no deserto entre feras e anjos. Será assim durante todos os três anos de vida pública. Enfrentará os poderes instalados e sentirá a consolação do Pai; será expulso de sinagogas e de localidades mas contará com o calor dos discípulos e de quantos o seguiam. Jesus não fugirá aos confrontos, à denúncia e à profecia. Não se deixará conduzir por protagonismos tentadores nem se deixará acorrentar aos laços meramente humanos. Aos argutos escribas e doutores da Lei, dará respostas cheias de sabedoria e aos discípulos não esconderá as dificuldades de O seguir.

Pelo texto de Marcos, compreendemos que a morte de João Baptista, seu primo, foi decisiva para Jesus iniciar a sua vida pública. Essa morte deve ter marcado Jesus muito profundamente mas foi acolhida como um sinal de que chegara o tempo oportuno para o anúncio do Reino. Herodes mandara degolar um profeta mas a voz de Deus não se podia calar. É neste contexto que Jesus inicia a sua missão.

Este texto de Marcos, enquanto narra o início da missão de Jesus, propõe-nos um caminho para nós mesmos, segundo as pegadas do Mestre da Galileia. Neste início de Quaresma, deixemo-nos conduzir pelo Espírito Santo ao deserto. Lugar de silêncio e despojamento, o deserto convida-nos a olhar o essencial. A nossa alma oxidada pelas propostas do mundo, necessita da experiência do recolhimento e da interioridade onde a voz de Deus nos faz reencontrar com o sentido da nossa existência.

No deserto da vida, também nós, tal como Jesus, convivemos com feras e anjos. O mundo é habitado por toda a espécie de males mas também não faltam extraordinários testemunhos do evangelho. Em vez de nos queixarmos com as mazelas do mundo e com os que semeiam o mal, deixemo-nos, antes, tocar pelos gestos dos que são sinais do amor de Deus e edificam a esperança. No fundo, o nosso coração é o lugar onde convivem as feras e os anjos.

O texto de Marcos termina com um veemente convite à conversão: «-Convertei-vos e acreditai no evangelho». Olhar a vida como um itinerário de mudança e de conversão é próprio de quem quer fazer da sua história uma oportunidade de encontro com Deus, amando os irmãos. Só a coragem da mudança pela via do amor, faz acontecer em nós os sinais do Reino de Deus.


Não desperdicemos este tempo oportuno. Deus quer precisar de nós para que o seu Reino aconteça no coração da nossa história pessoal e colectiva.   

Padre Mário Tavares de Oliveira