DOMINGO IV – TEMPO PASCAL – ANO B

COMENTÁRIO |20150426


No próximo Domingo, a Igreja celebra o dia do Bom Pastor. O evangelho de João propõe-nos uma das passagens mais emblemáticas em torno da figura de Jesus. Para além das suas palavras e dos seus gestos, o evangelho de João ajuda-nos a descobrir o perfil do Mestre da Galileia.

Em pleno tempo pascal, Jesus revela o seu coração misericordioso e partilha os seus sentimentos com os discípulos: “-Eu sou o Bom Pastor! O Bom Pastor dá a vida pelas ovelhas.” Recorrendo a uma imagem da vida pastoril, Jesus dá-se a conhecer declarando que está pronto a dar a vida pelos seus. Noutra passagem dirá mesmo que ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos. 

No texto de João, Jesus estabelece o paralelo com mercenário. Para este, o salário é mais importante do que o rebanho, por isso, se vê o perigo e se os lobos assaltam o rebanho, ele foge em vez de proteger o rebanho. Jesus permanece e dá a vida pelos que lhe estão confiados. O amor de Jesus é gratuito e não olha a interesses. A sua morte na cruz é a prova que as suas palavras não eram vãs. Testemunha com o seu sangue o amor para com a humanidade.

A coerência entre as palavras de Jesus e as suas acções dão fecundidade à sua missão. Tocados pelo amor concreto do Mestre, os discípulos formam-se na escola deste amor e descobrem a alegria do “dar a vida” pela sua gente. Enviados para as suas comunidades, os pastores são a memória vida do Mestre da Galileia e têm como missão continuar o ministério de Jesus
.
O desafio é este: Ser pastor como Jesus o foi. Sendo Filho de Deus, o Messias foi, sobretudo, Aquele que serve e que ama. Hoje a Igreja precisa de pastores com este perfil. Homens de Deus que não se deixam acorrentar nas malhas dos poderes mas que manifestam disponibilidade para ir a encontro das dores e das angústias do nosso tempo; que abraçam com alegria o dom do serviço aos irmãos; que se definem mais como os que amam incondicionalmente do que os que mandam com intransigência.

O Papa Francisco veio trazer à Igreja um rosto de pastor que poderá servir de inspiração a todos os que ocupam cargos de relevância na Igreja. O desprendimento, o acolhimento e a sabedoria dos gestos espontâneos deveriam ser sinais visíveis de quem tem a difícil missão de conduzir a Igreja e as comunidades. Diante dum pastor que é manso e humilde de coração, as ovelhas aproximam-se e reúnem-se à sua volta.

No dia do Bom Pastor, muitas comunidades manifestam gestos de carinho para com os seus pastores. Esta tradição exprime o carinho que as comunidades nutrem pelos seus padres. Um ramo de flores, umas palavras de gratidão, uma refeição partilhada ajudam a criar laços e afectos, sempre tão importantes na edificação da comunidade cristã.

O pior que poderia acontecer às comunidades é que em vez de pastores prontos a dar a vida tivessem gestores competentíssimos e administradores irrepreensíveis. Certamente o rigor e a exigência de bem governar hão-de caracterizar quem tem essa missão. Todavia, o grande sinal que Jesus pede aos seus pastores é a sua capacidade de amar e de dar a vida.

Neste Domingo do Bom Pastor e de Oração pelas Vocações, rezemos para que a Igreja, fiel à Palavra de Jesus, possa ser conduzida pelo ministério do amor e que a misericórdia seja a veste de quem a governa.

Padre Mário Tavares de Oliveira



DOMINGO III – TEMPO PASCAL – ANO B

COMENTÁRIO |20150419


As aparições de Jesus aos discípulos, depois da Páscoa, pretendem ser uma confirmação da fé pascal e um convite à missão de edificar o Reino de Deus. O evangelho do próximo Domingo apresenta-nos mais uma dessas experiências da comunidade apostólica. Os discípulos de Emaús tinham regressado para contar o que lhes tinha acontecido no caminho. Enquanto contavam a sua experiência, Jesus apareceu-lhes, de novo.

No Domingo passado, Jesus convidou Tomé a pôr o seu dedo nas suas chagas para que acreditasse. Agora, Jesus mostra as suas feridas e convida a todos: «-Tocai-me e vede». Durante a vida pública de Jesus, um dos seus gestos típicos consistia em tocar nas feridas humanas: No leproso, no cego, no paralítico, na pecadora. Agora, é Jesus ressuscitado que convida os discípulos a que O toquem para que possam ver que era mesmo Ele.

Jesus ressuscitado deixa-se tocar. Ontem e hoje: Torna-se presente no meio de nós quando nos reunimos em seu nome; fala-nos quando escutamos a sua Palavra; olha-nos quando o reconhecemos no pobre e no só; toca-nos quando nos aproximamos das suas feridas sempre de novo abertas nos irmãos com quem nos cruzamos.

No Cenáculo, Jesus abriu o entendimento aos apóstolos para que pudessem compreender o sentido das Escrituras. No Cenáculo, cada palavra de Jesus resplandecia de significado e cada gesto do Mestre da Galileia era entendido sem necessitar de explicação. Esse entendimento foi restaurando a confiança dos seguidores de Jesus que, assim, foram vencendo o medo e a angústia. A alegria do ressuscitado instalou-se no íntimo do coração dos apóstolos, confirmando a sua decisão de terem deixado tudo para seguir o Mestre.

Conviver na alegria do Senhor ressuscitado, compromete na missão. Por isso, Jesus lhes diz: «Vós sois testemunhas de todas estas coisas». A Igreja nasceu da experiência do testemunho. O cenáculo poderia ter sido o túmulo da Igreja se os discípulos tivessem optado pelo silêncio comodista ou pelo medo covarde e tivessem sonegado o anúncio do ressuscitado. Em vez disso, os discípulos puseram em prática as palavras de Jesus e, da sua missão, nasceu a Igreja que, entre luzes e sombras, vai edificando o seu Reino de misericórdia.

Como podemos, também nós, pôr em prática as palavras deste Evangelho? Antes de mais, não podemos demitir-nos de nos reunir com os irmãos. É verdade que Jesus está no nosso coração, no silêncio do nosso quarto e no íntimo da nossa consciência. Mas há uma presença de Jesus que é própria da comunidade reunida, em oração e em louvor. Jesus confirma na fé da Páscoa a comunidade presente no Cenáculo e a esses abre-lhes o entendimento para compreenderem as Escrituras.

Hoje, o comodismo vence muitas vezes a vontade de estar com os irmãos, na assembleia do Domingo, para celebrar a Eucaristia. Tentamos encontrar justificações para não irmos quando, no fundo, sabemos bem que não vamos por uma espécie de pacto com o desleixo espiritual e com o comodismo dos nossos hábitos.

A fé em Cristo não é uma atitude religiosa privada através da qual vou modelando a minha sensibilidade espiritual. A Fé em Cristo é, antes, a comunhão dos irmãos reunidos que provocam a presença do Ressuscitado que, por sua vez, os impele à missão e ao testemunho. Celebrar a Páscoa implica redescobrir a nossa pertença a uma comunidade de irmãos. Sem a comunidade, corremos o risco de nos tornarmos adeptos duma religião com um único membro que somos nós próprios.


Redescobrir a comunidade que me confirma na fé pascal é um desafio que se renova, cada ano, na Páscoa da ressurreição. 


Padre Mário Tavares de Oliveira

TEMPO PASCAL – DOMINGO II – ANO B

COMENTÁRIO |20150412



No próximo Domingo, o segundo da Páscoa, o evangelho relata-nos uma das aparições pós-pascais mais marcantes. Trata-se do episódio de Tomé que não estando presente com os outros discípulos na manhã da ressurreição, duvidou do testemunho destes. Jesus apareceu oito dias depois e, dirigindo-se a Tomé, convidou-o a acreditar tocando nas chagas da paixão. Tomé reconheceu o Mestre e professa a sua fé respondendo: «-Meu Senhor e meu Deus!».

Este texto é fundamental para entendermos a fé da comunidade primitiva. Acreditar em Jesus ressuscitado é acreditar em Jesus que deu a vida por nós. O ressuscitado é o crucificado e os sinais da sua paixão são a prova maior do seu amor por nós. Conta-se que um dia, o demónio tentou São Martinho aparecendo-lhe sob o aspecto de Jesus Cristo. O santo não se deixou enganar porque não ostentava as chagas da paixão e, por isso, não podia ser o seu Senhor.

A actualidade das chagas do redentor é por demais evidente. Jesus assumiu outrora o pecado da humanidade carregando nos seus ombros o peso da cruz. Todavia, o pecado continua a ser actual e a paixão de Jesus se, por um lado, foi um gesto definitivo e único, por outro, continua a ser actual e a renovar-se no dinamismo da fé. Hoje, o nosso Deus continua a carregar as feridas da humanidade e a revelar-se no mistério do seu amor.

Um Deus que prescindisse e recusasse o pecado da humanidade não estaria em grau de nos poder salvar. Os males do mundo, por muito graves que sejam e as culpas dos homens por muito pesadas que sejam, encontram lugar no coração do ressuscitado. O gesto de Jesus para Tomé: «- Aproxima-te e mete o teu dedo nas minhas chagas», renova-se na nossa experiência de fé. Hoje as chagas de Jesus são as situações de pobreza, de exploração incontida, de opressão e violência, as perseguições de todo o género, o martírio, a cultura de morte, a depressão social.

Ao crente, Jesus volta a dizer: «-Aproxima-te e mete o teu dedo nas minhas chagas». Um Deus romanceado, pintado só com belas cores, não exprime o drama da salvação. O ressuscitado não é um Deus alheado, distante e a pontificar num trono de ouro. Jesus Cristo morto e ressuscitado mantém o seu abraço pelos últimos e pelos injustiçados da sociedade.

Tomás Halík, prémio Templeton 2014, no seu recente livro O meu Deus é um Deus Ferido, recorda-nos que acreditar significa «dar o coração», não hesitando em nos confidenciar: «Para mim, não há outro caminho, não há outra porta para Ele, a não ser aquela que é aberta por uma mão chagada e um coração trespassado. Não posso chamar “meu Senhor e meu Deus” se não vir a ferida que chega ao coração… O meu Deus é um Deus ferido».

Com frequência escutamos quem pense que o poder infinito de Deus deveria resolver todos os problemas num acto de magia: Deus deveria acabar com a fome, com a violência e a guerra num estalido de dedos. A fé no ressuscitado convida-nos a reconhecer nos males do mundo as chagas e as feridas de Deus. Esse olhar compromete-nos não só com Deus mas com as mudanças na história que é imperioso fazer acontecer. O ressuscitado crucificado convida-nos a tocar essas chagas, a curá-las e a alimentar as fomes de amor que se manifestam à nossa volta com tantas expressões.


Tomé é o modelo da fé do crente. Entre dúvidas e incertezas, toca no peito aberto e nas feridas dos cravos para passar para além delas e descobrir a maior prova do amor. Que cada um de nós saiba acreditar num Senhor ressuscitado que nos convida a tocar nas chagas do mundo como sinal da nossa fé comprometida.  

Padre Mário Tavares de Oliveira