COMENTÁRIO |20150412
No próximo Domingo, o segundo da Páscoa, o evangelho
relata-nos uma das aparições pós-pascais mais marcantes. Trata-se do episódio
de Tomé que não estando presente com os outros discípulos na manhã da
ressurreição, duvidou do testemunho destes. Jesus apareceu oito dias depois e,
dirigindo-se a Tomé, convidou-o a acreditar tocando nas chagas da paixão. Tomé
reconheceu o Mestre e professa a sua fé respondendo: «-Meu Senhor e meu Deus!».
Este texto é fundamental para entendermos a fé da comunidade
primitiva. Acreditar em Jesus ressuscitado é acreditar em Jesus que deu a vida
por nós. O ressuscitado é o crucificado e os sinais da sua paixão são a prova
maior do seu amor por nós. Conta-se que um dia, o demónio tentou São Martinho
aparecendo-lhe sob o aspecto de Jesus Cristo. O santo não se deixou enganar
porque não ostentava as chagas da paixão e, por isso, não podia ser o seu
Senhor.
A actualidade das chagas do redentor é por demais evidente.
Jesus assumiu outrora o pecado da humanidade carregando nos seus ombros o peso
da cruz. Todavia, o pecado continua a ser actual e a paixão de Jesus se, por um
lado, foi um gesto definitivo e único, por outro, continua a ser actual e a
renovar-se no dinamismo da fé. Hoje, o nosso Deus continua a carregar as
feridas da humanidade e a revelar-se no mistério do seu amor.
Um Deus que prescindisse e recusasse o pecado da humanidade
não estaria em grau de nos poder salvar. Os males do mundo, por muito graves
que sejam e as culpas dos homens por muito pesadas que sejam, encontram lugar
no coração do ressuscitado. O gesto de Jesus para Tomé: «- Aproxima-te e mete o
teu dedo nas minhas chagas», renova-se na nossa experiência de fé. Hoje as
chagas de Jesus são as situações de pobreza, de exploração incontida, de
opressão e violência, as perseguições de todo o género, o martírio, a cultura
de morte, a depressão social.
Ao crente, Jesus volta a dizer: «-Aproxima-te e mete o teu
dedo nas minhas chagas». Um Deus romanceado, pintado só com belas cores, não
exprime o drama da salvação. O ressuscitado não é um Deus alheado, distante e a
pontificar num trono de ouro. Jesus Cristo morto e ressuscitado mantém o seu
abraço pelos últimos e pelos injustiçados da sociedade.
Tomás Halík, prémio Templeton 2014, no seu recente livro O meu Deus é um Deus Ferido, recorda-nos
que acreditar significa «dar o coração», não hesitando em nos confidenciar: «Para
mim, não há outro caminho, não há outra porta para Ele, a não ser aquela que é
aberta por uma mão chagada e um coração trespassado. Não posso chamar “meu
Senhor e meu Deus” se não vir a ferida que chega ao coração… O meu Deus é um
Deus ferido».
Com frequência escutamos quem pense que o poder infinito de
Deus deveria resolver todos os problemas num acto de magia: Deus deveria acabar
com a fome, com a violência e a guerra num estalido de dedos. A fé no
ressuscitado convida-nos a reconhecer nos males do mundo as chagas e as feridas
de Deus. Esse olhar compromete-nos não só com Deus mas com as mudanças na história
que é imperioso fazer acontecer. O ressuscitado crucificado convida-nos a tocar
essas chagas, a curá-las e a alimentar as fomes de amor que se manifestam à
nossa volta com tantas expressões.
Tomé é o modelo da fé do crente. Entre dúvidas e incertezas,
toca no peito aberto e nas feridas dos cravos para passar para além delas e
descobrir a maior prova do amor. Que cada um de nós saiba acreditar num Senhor
ressuscitado que nos convida a tocar nas chagas do mundo como sinal da nossa fé
comprometida.
Padre Mário Tavares de Oliveira
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