COMENTÁRIO |20150326
No próximo Domingo, a Igreja celebra a liturgia dos Ramos. Jesus
tinha vindo a Jerusalém, com os discípulos, para celebrar a Páscoa. Ao saber da
notícia, a multidão acorreu a recebê-lo, ávida das suas palavras e dos seus
gestos que revelavam os sinais da chegada do Reino de Deus.
Com esta liturgia, dá-se início à semana santa e a Igreja
propõe-nos a leitura integral da Paixão do Senhor. Este ano, por ser o ciclo B,
lemos a Paixão segundo São Marcos. Nesta nossa rubrica, começámos por escutar apenas
um trecho da Paixão que narra a morte de Jesus na cruz, em vez da leitura
integral da mesma.
Grande mistério o da cruz de Jesus. O evangelista Marcos
refere que a terra se encheu de trevas desde o meio-dia até às três horas da
tarde. No coração das trevas que envolvem o mundo, Jesus grita o seu abandono e
entrega o seu Espírito ao Pai. As trevas do mundo e a morte de Jesus unem-se
num mistério de comunhão do qual iria brotar a Luz do ressuscitado para
iluminar os caminhos dos homens.
Podemos olhar a morte de Jesus como um acontecimento do
passado ou como uma revelação do seu amor no presente. Muitas vezes, preferimos
olhar a sua Paixão como os discípulos que fugiram para longe, olhando à
distância os acontecimentos em torno da sua morte. Podemos ficar a imaginar o
que aconteceu a Jesus naquele dia, sentindo até pena e compaixão com o que lhe
aconteceu mas ficando sempre longe, à distância. Podemos viver assim os actos
religiosos próprios da semana santa e deixarmo-nos envolver duma certa
atmosfera espiritual que aviva em nós tradições do passado que nos sabem bem
reviver em cada ano. Mas seria muito pouco se assim fosse.
A Páscoa de Jesus, mais do que uma recordação do passado, é
uma urgência do presente. Olhando a cruz de Jesus, havemos de ver nela contada
a nossa história colectiva e a minha vida pessoal. Na cruz, Jesus revela-nos e
conta a nossa história. As nossas dores, as nossas angústias, a nossa solidão e
os nossos sofrimentos estão escritos no madeiro onde Jesus foi crucificado. A
crucifixão de Jesus denuncia a minha própria crucifixão e anuncia a redenção da
minha história.
Na cruz de Jesus estão os refugiados de Lampeduza, os
mártires do Médio Oriente ou do Congo. Lá estão os bairros de lata das grandes
periferias, os sem-abrigo e os esquecidos em campos de desalojados. As mulheres
mal tratadas, os órfãos que ninguém acolhe, os desesperados da vida. Na cruz,
estou eu com as minhas dores, sequioso da luz e da salvação.
Erguida da terra e apontando o céu, a cruz de Jesus faz a
ponte entre a história e a eternidade, o Paraíso e a humanidade. O segredo está
no abraço, para que a nova vida aconteça. A rejeição da minha dor gera uma
revolta inconsolável. Só o abraço à cruz me faz passar para além da chaga, onde
o amor se revela em plenitude.
Este é o mistério maior da semana que se aproxima: Celebramos
a morte da morte para que tenhamos a vida em abundância. Abraçar a cruz
significa deixarmo-nos abraçar por Jesus e Maria é o ícone do cristão que
celebra verdadeiramente a Páscoa. Quando todos fogem, ela permanece, abraçando
o sinal do suplício do seu Filho. Maria desenha com a sua vida, o caminho da
redenção.
Vivamos esta Páscoa como discípulos que descobrem no gesto
de Jesus o sentido da sua vida.
P. Mário Tavares de Oliveira