O evangelho do próximo Domingo, o
quinto da Quaresma, narra-nos o episódio da mulher adúltera. Jesus está em
Jerusalém e anuncia, sem rodeios, o Reino de Deus. O confronto com a
mentalidade judaica é evidente e as tensões vão crescendo de dia para dia. Os
critérios de Jesus chocam com as tradições religiosas, mas Jesus não abdica de
anunciar o evangelho da misericórdia.
Jesus passara o dia no templo.
Muitos diziam que Ele era o Profeta esperado; outros queriam dar-lhe a morte. À
noite, Jesus retirou-se inquieto para o Monte das Oliveiras, mas ainda de
madrugada, voltou para o templo. Logo pela manhã, começou a ensinar.
Trouxeram-lhe uma mulher surpreendida em adultério que devia ser apedrejada,
segundo a Lei. Para o experimentar, perguntaram-lhe a sua opinião. Jesus toma
uma atitude inesperada. Começou a escrever com o dedo no chão e, como instavam
com Ele, disse: “Quem de entre vós estiver sem pecado, atire a primeira pedra”.
Continuou a escrever e foram-se retirando um a um, ficando só Jesus e a mulher.
Este texto mete em confronto o
rigor da Lei de Moisés com a Misericórdia que Jesus anuncia e faz acontecer. Para
Jesus, mais importante do que o cumprimento cego dos preceitos, eram as pessoas
a sua paixão. Jesus olha a história de cada um e, mais do que ficar preso ao
passado, usa de perdão no presente para que o pecador reencontre o seu caminho
libertador.
No episódio do evangelho, Jesus
confronta a vida de cada um e acabou por ficar sozinho diante daquela mulher. A
intensidade deste momento reveste-se duma beleza infinita. No meio da praça, o
olhar de Jesus cruza-se com o vazio do olhar da mulher pecadora. Que poderia
pensar aquela mulher acerca do Nazareno que andava a anunciar palavras
inesperadas junto ao templo? Seria mais um a incriminá-la? Seria quem a iria
entregar à autoridade para que fosse condenada? A Lei era clara: seria
apedrejada. No entanto, enchendo-se de compaixão, Jesus aplica a justiça do
amor, superando a justiça da Lei.
O evangelho de Jesus choca com os
critérios tradicionais. O que Jesus anuncia é radicalmente novo. A misericórdia
acompanhada de gestos concretos faz acontecer os sinais do Reino do amor que
Jesus anuncia junto ao templo. A força da comunidade cristã que nasce deste
anúncio, reside precisamente aqui. Mais do que uma religião, Jesus anuncia o
amor de quem está pronto a dar a vida.
As religiões tinham como
preocupação apaziguar a divindade toda poderosa e que habitava nas alturas. Com
Jesus, Deus habita no coração dos homens e das mulheres e aí se manifesta a
grandeza do seu poder: amando, Deus vence o pecado para que a alegria volte ao
coração arrependido.
Certamente, todos fizemos já a
experiência de nos sentirmos débeis no confronto com o mundo que nos subjuga
com as suas leis e os seus preceitos. Quantas vezes a angústia nos invade
porque nos sentimos incapazes de cumprir todos os preceitos que a sociedade e a
religião nos impõem! Ter fé em Jesus, é deixar que o seu amor e a sua
misericórdia nos façam encontrar a liberdade interior para além das nossas
debilidades. O amor é a via de Jesus. Só fazendo a experiência da sua
misericórdia poderemos descobrir a beleza do seu rosto que cruza o nosso olhar
na praça da nossa vida.
Neste tempo de Quaresma, tenhamos
a coragem de deixar que Jesus nos denuncie pelo amor e nos recupere pela sua
misericórdia.
P. Mário
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